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terça-feira, 22 de março de 2011

Objetividade e subjetividade nos projetos culturais: alguns pontos de análise do caso Bethânia.


Eu procurava entre os assuntos dos últimos dias um tema interessante para um novo post no blog. Não deu pra ficar longe do tema do projeto da Bethânia que ressoa pela internet com diversas manifestações de conteúdos os mais variados. Pois bem, vamos analisar alguns pontos da situação... Posteriormente, quem sabe animo a escrever sobre critérios de julgamento de projetos, o que é um desafio e tanto no TS.

Ponto 1:
Estamos falando de Lei de Incentivo a Cultura. Esta foi estabelecida com os seguintes objetivos: I - incentivo à formação artística e cultural; II - fomento à produção cultural e artística; III - preservação e difusão do patrimônio artístico, cultural e histórico; IV - estímulo ao conhecimento dos bens e valores culturais; V - apoio a outras atividades culturais e artísticas. Além disso, o Art. 1º, no seu inciso I, deixa claro que a lei é para todos “contribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos culturais”.
Analisando friamente, qualquer Maria pode submeter um projeto à Lei Rouanet. Um projeto com objetivo principal de construir um site na internet para veiculação em áudio e vídeo de poesia nacional está perfeitamente dentro do espírito da lei. Aliás, diga-se de passagem, bem mais dentro do que muitos outros que vemos por aí. Afinal, como nosso povo não é muito dado à leitura, poesia em audiovisual e ainda em pílulas provavelmente terá maior eficácia na difusão (que o diga o Youtube...rs...).

Ponto 2:
Recurso via incentivo fiscal é obviamente recurso público. Afinal, o incentivo fiscal nada mais é que um atalho para os recursos. Em vez da empresa recolher ao governo e este financiar o projeto, cria-se um caminho mais rápido e menos burocrático. Ora, sendo recurso público, não deveria ser usado para criação de aparatos que beneficiem particulares. Afinal, recursos públicos devem ser investidos em benefício da população.
O tal site de poesias, “com acesso gratuito”, está á disposição de qualquer cidadão. Portanto não beneficia diretamente nenhum investidor. Devemos lembrar que honorários pelo trabalho na criação do site e seu conteúdo não é benefício, mas remuneração (uma relação de troca). Havendo a continuidade da ação do site, o que se espera de um bom projeto, certamente haverá continuidade de recursos (por exemplo, através da captação de anunciantes). Neste caso o proprietário do site pode acabar recebendo benefícios posteriores. Contudo, enquanto o conteúdo for gratuito, continua sua função social de difundir poesia nacional. Neste caso o recurso público teria sido usado na criação de um negócio, o que é perfeitamente factível.
Vejamos que projetos que contemplam venda de produtos são mais sensíveis a essa análise porque o resultado das vendas (dinheiro gerado com investimento público) não retorna aos cofres públicos. Ou seja, é mais fácil caracterizar esse tipo de produto como benefício a um privado do que qualquer projeto com distribuição gratuita (a menos que fique demonstrada a utilização do resultado das vendas em benefício público novamente). Neste caso o recurso público teria sido usado com foco na criação do produto e não do negócio, o que não garantiria a sustentabilidade do resultado do financiamento.

Ponto3:
Os valores dos itens do projeto devem ser coerentes com o mercado. Todo valor orçado na planilha de custos de um projeto deve ter coerência com valores de mercado. O espírito dessa necessidade não é favorecer a meritocracia (pagar diferente a diferentes indivíduos), mas favorecer a igualdade (tratar a todos com igualdade). O referencial de valoração da lei é o profissional normal e não as exceções. Assim, honorários para uma determinada atividade devem estar no mesmo patamar independente do projeto. É claro que há variações possíveis, mas não chegam a extrapolar a ética na boa utilização dos recursos públicos.
Não deve haver distinção entre profissionais, mas sim entre atividades. Se certa atividade em um projeto não pode ser desempenhada por outros profissionais, mas apenas por um, esta é a exceção. O que impede outros de fazerem o trabalho pode ser uma questão legal, técnica, física, etc., mas o diferencial está na caracterização da atividade.
Percebam que esse julgamento demanda além de conhecimento do próprio projeto, um conhecimento capaz de avaliar e definir tecnicamente os requisitos da atividade. Deve-se estabelecer requisitos tecnicamente embasados e não por questões subjetivas. Pode-se selecionar o executor da atividade por critérios mais pessoais, mas não se pode valorá-lo subjetivamente.
No caso específico do blog de poesias da Maria Bethânia, a questão é: tal atividade é mesmo uma atividade de exceção capaz de ser desempenhada apenas pela própria Bethânia ou os requisitos da atividade estão mal formulados e foram mal julgados na análise técnica do projeto? Ou seja, o orçamento da atividade deveria ter sido feito por valores modais do mercado ou como exceção? Eu admiro o trabalho da Bethânia como cantora, não estou julgando (o julgamente não cabe a mim), apenas questionando e analisando.

Ponto 4:
Qualquer projeto pode ter patrocínios outros além dos incentivados. Isso deve ser levado em consideração quando há interesses subjetivos nos projetos. No que se refere aos custos, há as limitações pelos valores normais de mercado para os recursos incentivados, mas isso não impede que haja outras fontes privadas de patrocínio. Essa prática de várias fontes de recursos e por mecanismos com regras diferentes torna mais complexa a gestão de um projeto, mas viabiliza a solução muitas questões dentro de parâmetros razoavelmente éticos. Essa necessidade de utilização de recursos privados não se refere apenas ao pagamento de honorários profissionais acima do valor referencial do mercado, mas também para a seleção de localidades atendidas por um projeto (pode haver uma localidade de interesse do patrocinador, mas que não atenda exatamente aos requisitos de seleção técnica do projeto), seleção de equipamentos, etc.
Há aqui um caso típico da tradicional diferença entre a decisão puramente técnica e a decisão gerencial. Tecnicamente sempre queremos o melhor profissional, com a melhor técnica, o melhor equipamento e o melhor material. Mas do ponto de vista gerencial devemos procurar os recursos necessários para produzir o resultado necessário. Este equilíbrio muitas vezes é complexo, mas deve ser o minimamente subjetivo. A subjetividade deve ser evitada na boa gestão, sobretudo dos recursos públicos.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Ciclo de Vida dos Projetos do TS

O Ciclo de Vida de um projeto é certamnete a primeira referência que devemos procurar para estudá-lo. É também referência fundamental na definição de  metodologias de gestão. A compreensão das diferenças entre as fases ou do conteúdo pertinente a cada uma possibilita a criação de estratégias de mudanças e pontos de controle cruciais. Enfim, estabelecer bem o cliclo de vida de um projeto tornam claras uma série de confusões muitas vezes existentes na cabeça de muitas pessoas. Mais que isso, compreender o ciclo de vida dos projetos nos permite antever uma série de situações e melhor organizar os esforços de solução de problemas diversos.

Eu tenho utilizado o seguinte Ciclo de Vida genérico para projetos no TS:

Reparem que são quatro fases com duas etapas em cada fase que discrimino resumidamente a seguir.

 A etapa de Análise do Problema culmina da elaboração do diagnóstico definitivo que embasará o projeto.A Concepção resultará na proposta do projeto (e podem haver mais de um necessário). A Captação executa a mobilização dos recursos necessários (normalmente financeiros e físicos). A seguir, o Planejamento Detalhado aprimora os planos de execução em níveis mais operacionais para permitir um controle mais preciso da execução. A Implementação do Projeto é relativa à sua execução propriamente dita; é a fase mais moviemntada, mas nem por isso pode ser considerada a mais importante. A Verificação de Resultados refere-se a ações de avaliação pós execução, fundamentais para avaliar o sucesso do projeto num relatório final. A Comunicação e Publicidade tem foco em dar transparência (noticiar) ao projeto a todas as partes interessadas, inclusive a sociedade. Por fim a Avaliação de Replicabilidade busca verificar a possibilidade de repetir projetos ou ações de sucesso em outras situações.

Uma atenção especial quero dar à etapa de Implementação do Projeto. Esta etapa normalmente é dividida em outras sub-etapas que eu costumo chamar de Etapas de Produção. Estas sub-etapas são planejadas desde o início e são função do tipo de trabalho envolvido no projeto. Projetos de intervenção social requerem etapas diferentes de projetos de realização de shows, por exemplo. Nesta etapa está concentrado o que podemos considerar o trabalho técnico do projeto, ou artístico se for um projeto de artes. Por exemplo, numa turnê de recitais de piano, o pianista só toca efetivamente o instrumento nessa etapa. Nos projetos culturais é muito comum subdividir a etapa em duas sub-etapas chamadas Pré-Produção e Produção. Sem dúvida, trata-se de uma divisão genérica à qual podemos adaptar quase todo ciclo de produção (etapas de produção).

A figura acima mostra uma série de outros elementos, mas comentá-los aqui tornaria esse post muito extenso. Quem sabe nas próximas oportunidades. O objetivo aqui foi destacar resumidamente a existência e a importância do Ciclo de Vida dos Projetos para uma melhor compreensão e gestão dos mesmos.

Abraços

sexta-feira, 4 de março de 2011

Outros textos

Hoje ao publicar mais um artigo nos sites da internet e no meu próprio site (que tento desenvolver a muito custo...rs...) pensei: porque não divulgar também pelo blog?

São textos nem sempre voltados ao TS, mas sempre ligados aos temas que me interessam: Engenharia de Projetos, Gestão de Projetos, Terceiro Setor e afins. Espero que aqueles que gostarem dos textos possam fazer bom uso deles.

Divulguem a vontade.

O link é:

http://www.caonline.com.br/Inical/artigos-e-apresentacoes


Abraços

quinta-feira, 3 de março de 2011

Enfim, quais os limites dos custos administrativos?


Este post complementa o post anterior.
Há muito poucas pesquisas relacionadas aos custos administrativos em projetos. Não temos conhecimento de parâmetros seguros que avaliem sua representatividade frente ao custo total.
Um estudo britânico parametriza previsões com base no tamanho da equipe do projeto. Assim, para projetos cujas equipes variam de 30 a 1000 pessoas, os escritórios de gestão variam de 10% a 3% do total de profissionais. Outros estudos falam de 10% a 15%, mas se baseiam em projetos de menor porte. Quanto maior o projeto, menor a representatividade dos custos gerenciais, ao que tudo indica isso é fato atestado por todos os estudos. Parte-se do princípio de que os custos são relativamente proporcionais ao número de pessoas (e seus custos) uma vez que os custos indiretos das organizações estão diluídos em todos os custos unitários dos profissionais. Devemos observar também que estas estatísticas são normalmente baseadas em projetos desenvolvidos dentro de organizações do segundo setor.
Porém, nos projetos em que há grande incidência de contratação de terceiros, caso mais comum no Terceiro Setor, estas relações podem fugir da realidade conforme a forma de apropriação dos custos. Ao se contratar um serviço no mercado, seu valor vem agregado com os custos indiretos da organização terceirizada e não da organização executora. Alternativa seria incidir sobre todos os itens da planilha uma porcentagem de despesas indiretas (o que não é permitido pela Lei Rouanet, por exemplo, em função das regras de prestação de contas).
Assim, a melhor forma para contabilizar custos em projetos no TS seria explicitar os custos indiretos da organização realmente pertinentes ao projeto. Isso faria com que a incidência dos custos indiretos não estivesse atrelada aos custos unitários dos itens da planilha mas figurassem nela como itens independentes. Isso corresponderia à incidência dos custos indiretos com base numa porcentagem específica do projeto e não generalizada na organização. Esta é a pratica comum, por exemplo, na construção civil, onde cada empreendimento tem sua porcentagem de incidência de custos indiretos (porém contabilizada de forma diluída em todos os itens da planilha).
Enfim, o fato é que a parametrização dos custos administrativos em 10%, como sugerido pelo estudo britânico para projetos com equipe de 30 pessoas, significa que 90% dos custos indiretos estão no restante do projeto (nos custos de produção). Se as atividades de produção forem terceirizadas e previstas apenas com o valor pago ao terceiro, a organização estará na realidade arcando com 90% do custo indireto do projeto sem computá-lo na planilha. Se os custos indiretos representam digamos 20% do custo total, então, para cobertura dos custos indiretos, seriam precisos, além dos 10% previstos nos custos adminsitrativos, outros 18% (20% de 90%) do custo total do projeto. Ou seja, os custos administrativos nesse caso precisariam corresponder a 28% do valor global para cobrir todas as despesas indiretas da organização. Vale destacar que as porcentagens aqui exemplificadas não são distantes da realidade das organizações.
É claro que terceirizando o serviço de produção do projeto (o que é inclusive exigência, por exemplo, nos projetos culturais via Lei Rouanet), o custo indireto da organização tende a diminuir, mas sua parcela fixa não permite o raciocínio de redução proporcional aos itens terceirizados. O que queremos mostrar é que não há raciocínio ou dados suficientes para sustentar a limitação dos custos administrativos a 10% ou 15% do valor dos projetos de forma generalizada e, sobretudo nos projetos menores em que a representatividade dos custos administrativos tende a aumentar.
Se tais porcentagens, definidas nas normas a que ficam obrigados os projetos do TS, são definidas com base em dados históricos, devemos lembrar que historicamente nossas Organizações do Terceiro Setor não têm conseguido sustentabilidade financeira e um dos motivos é exatamente o fato das normas não permitirem a cobertura dos seus custos de operação.
E nem chegamos aqui a cogitar a diferença entre os modelos de negócio do TS e do segundo setor. No TS o modelo de negócio envolve custos inexistentes no setor mercantil.
Fica então a dúvida no ar: porque 5, 10 ou 15%? Dar transparência a essa definição é a contrapartida para exigir transparência na prestação de contas destes custos.

terça-feira, 1 de março de 2011

Custos administrativos em projetos


Esta semana estive mais uma vez discutindo a questão dos custos administrativos em projetos. A origem da conversa foi a limitação de 15% para custos administrativos em projetos culturais com base nas normas do MinC. Quero tentar esclarecer antes que custos são estes para depois discutir seus valores e limitações. Evidentemente, o objetivo é fazer isso de forma simplificada, embora isso possa implicar em perda de  consistência técnica do ponto do vista da gestão contábil-financeira de um projeto. Vamos lá...
Admitir a existência de uma classe de custos “administrativos” significa admitir outra classe de “não administrativos”. Ora, administrar significa conduzir, orientar. Neste contexto, os demais custos seriam relativos à execução, concretização dos resultados.
Quando planejamos um projeto estabelecemos logo a princípio tudo que é necessário para produzir os resultados a serem entregues. Mais do que isso, o planejamento estabelece uma metodologia pra se executar a produção dos resultados do projeto. A identificação dos custos administrativos está vinculada ao processo de produção estabelecido nessa metodologia. As atividades administrativas têm foco imediato na condução do projeto enquanto as não administrativas têm foco imediato nos resultados a serem gerados, na concretização destes resultados.
Portanto, vemos que a definição da metodologia de trabalho vai além de uma questão puramente técnica e possui também suas implicações gerenciais. Por exemplo, se a metodologia de trabalho prevê transportes como uma ação do processo produtivo então isso corresponde a um custo não administrativo.
Outro exemplo: para se fazer um trabalho cultural numa localidade, realizam-se reuniões prévias com a prefeitura local. Se os resultados dessas reuniões são itens importantes na concretização dos resultados, elas são custo de produção (não administrativos). Mas se tais reuniões têm por objetivo a manutenção de uma boa relação com o poder local (a fim de gerenciar seus interesses e influências), então elas são custo administrativo (pois não entram diretamente do processo de produção dos resultados.
Uma dúvida interessante é referente às atividades de aquisições em um projeto. Sem dúvida elas impactam os processos de produção no projeto, mas são consideradas administrativas quase sempre. O fato é que as atividades de compras condicionam o processo produtivo uma vez que interferem na autorização para início de um trabalho qualquer. É claro que não se pode iniciar ou dar continuidade ao processo produtivo sem a mobilização dos materiais e serviços necessários a ele. Portanto, as aquisições funcionam como reguladores do andamento dos trabalhos e seriam, então, relativa à condução dos trabalhos e não à sua execução.
Dessa forma, há diversos itens que podem figurar nos projetos como custos de produção e/ou administrativos como, por exemplo: itens relacionados à logística (transporte, hospedagens, alimentação), materiais de escritório, equipamentos, serviços de correspondência e entregas, etc. Classificar tais despesas depende de compreender sua pertinência às atividade de condução do projeto ou de concretização dos seus resultados.
Há algumas funções nos projetos que podem também gerar dúvidas. É o caso dos trabalhos de coordenação. Quando a coordenação é feita com foco na condução do projeto, ela assume característica de custo administrativo. Mas quando é feita como foco no processo de produção dos resultados, é, sem dúvida, custo não administrativo. Assim, por exemplo, uma coordenação de serviços de logística pode ser considerada administrativa se tem caráter de apoio às atividades do projeto, mas se a logística em um projeto é crucial para o processo produtivo, esta coordenação pode ser considerada não administrativa.
Mais um exemplo de confusão. Digamos que um projeto de mobilização comunitária prevê na sua metodologia a implantação de um conselho que se reúne freqüentemente. A secretaria desse conselho é atividade de produção e não administrativa, embora quase sempre associemos secretaria a custos administrativos.
Muitos outros exemplos poderiam ser pensados. Como em muitos casos a linha que separa a condução do projeto do seu processo produtivo é bastante nebulosa, é sempre possível que haja alguma dose de subjetividade nesta classificação.
Além disso, a maneira de contabilizar tais despesas pode dificultar a separação dos custos. As despesas indiretas podem estar diluídas pelas composições de custos unitários de uma organização e, assim, ser difícil separá-las em administrativas ou não (pois estarão computadas igualmente em todos os itens de custo). Por exemplo, os custos de locação de um escritório para gestão podem estar contabilizados como custo indireto da organização e, então, estará sendo computado como uma porcentagem incidente sobre todos os itens de custo (mesmo os de produção). Vemos, então, que a contabilização dos custos em um projeto devem se compatibilizar com a forma de administrá-lo.
Aliás, a contabilização de custos em projetos e em organizações devem ser integráveis, mas se fazem de forma diferente.