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terça-feira, 21 de junho de 2011

Conhecimento técnico e o sucesso em projetos

Nesse post quero explorar alguns aspectos que julgo importantes na avaliação de um projeto. Faço isso em função de algumas divulgações de projetos que recebi ultimamente que, para bom entendedor, me parecem projetos conceitualmente equivocados dada a incompatibilidade entre o objetivo exposto e o conteúdo contemplado. Quero crer evidentemente que esta desconexão entre estas importantes questões seja inconsciente, pois admitir a consciência de tal fato seria admitir certa incompetência gerencial e até técnica.

Não é novidade que decide-se pela implementação de um projeto em razão de uma demanda (isso já foi tratado neste nosso blog em alguns posts anteriores). Pois bem, em função desta demanda, que no TS tem a ver com o bem público, opta-se por uma linha de ação técnica que caracteriza a solução dada para a referida demanda. Ou seja, a ação do projeto (metodologias, atividades, organização, etc.) deve ter uma fundamentação teórica sustentada por conhecimento técnico nas áreas pertinentes. Essa fundamentação proporciona ao projeto um conteúdo compatível com o objetivo associado à demanda original. Esse conteúdo essencialmente técnico do projeto responde pelo relacionamento entre as ações a serem executadas (escopo do projeto), os resultados a serem alcançados (objetivos) e a demanda que deu origem ao projeto.

Mas porque a relação entre esses elementos é essencialmente técnica? A resposta imediata é simples: porque não se atinge objetivos sociais balizando decisões sobre o que fazer em teorias puramente econômicas, por exemplo. Em outras palavras, para conseguir objetivos sociais é preciso conhecimento sobre as questões sociais, para atingir objetivos educacionais é preciso conhecimento técnico em educação, etc. Esse conhecimento não é ter ciência do problema (demanda), mas dominar os modelos teóricos que formulam as correlações de causa e efeito entre os eventos pertinentes à análise da demanda. Em outras palavras, para resolvermos o problema característico da demanda, mais que conhecê-la, precisamos conhecer o que a influencia e como a influencia.

Assim, projetos sem essa bagagem de conhecimento técnico na análise da demanda e, sobretudo, na definição do seu escopo de ação, correm sério risco de ter recursos utilizados de forma ineficiente. A eficácia do projeto fica fortemente comprometida. Assim, podemos concluir que a boa utilização dos recursos de uma organização (gestão financeira dos seus projetos) está estreitamente vinculada à capacidade técnica da sua equipe (embora essa relação possa parecer tênue). Temos aí um canal de relacionamento direto entre o conhecimento técnico da equipe e o resultado financeiro da organização. No TS devemos entender esse resultado financeiro não como lucro, mas como custo da obtenção de bem público. Quanto maior a competência técnica, menor o custo na obtenção de resultados eficazes.

Contudo, não raramente verificamos projetos propostos com conteúdos que não guardam relação direta com o objetivo. O estabelecimento de objetivos em projetos, sobretudo no TS, é crítico. É comum definirmos projetos com objetivos sem possibilidade de verificação ou, o que é pior, objetivos que facilmente verifica-se que não são atingíveis com as ações propostas (por estarem muito além do alcance delas ou por não terem relação direta com as mesmas).

Posso citar alguns exemplos frente aos quais já estive em algumas ocasiões:

• Projetos que objetivam a preservação de patrimônio imaterial que contemplam na prática o registro audiovisual de uma manifestação. Ora, registrar a manifestação não a preserva. Ou o objetivo está mal definido ou a ação do projeto está equivocada.
• Projeto de desenvolvimento de vocação para o artesanato em uma comunidade, mas que consome esforços e recursos maiores com atividades paralelas como música e culinária. Aparentemente a ação do projeto produz mais entretenimento que desenvolvimento vocacional.
• Projetos de organização de grupos de artesãos que não prevê a participação deles nas atividades. Dificilmente um grupo ficará organizado com ações externas a ele. É preciso envolver os grupos ativamente quando o objetivo está associado ao comportamento dos mesmos.
• Etc.

É claro que não estou dizendo que os objetivos ou as ações estão erradas. Mas apenas que não estão compatíveis, não guardam relação de causa e efeito. As causas dessa desconexão podem ser várias. Cito algumas:

• Falta de qualificação técnica da equipe que concebe o projeto. Isso significa falta de conhecimento técnico nas áreas pertinentes e conseqüente falha na definição de objetivos, ações ou em ambos (relações entre eles).
• Equipe incompleta do ponto de vista do conjunto de conhecimentos necessários. No TS normalmente as questões estão muito entrelaçadas e bons resultados dependem de formulações multidisciplinares.
• Divergência acentuada entre “objetivo declarado” e “objetivo real”. É comum que grupos de pessoas registrem objetivos nas comunicações do projeto, mas nas ações acabem caminhando para outros objetivos não declarados. Essa situação pode ser fruto de falha da coordenação ou ausência da consciência das relações entre as ações e seus efeitos (falta de conhecimento técnico). O pior caso neste aspecto é quando há consciência dessa divergência, ou seja, o grupo declara um objetivo, mas age conscientemente para atingir outro.
• Excessiva influência de parte interessadas (e seus interesses particulares no projeto). Caso comum de ocorrer quando há um patrocinador atuante ou um órgão (público ou privado) com poder sobre as ações e estes não compreendem as relações entre as ações do projeto e seu objetivo.

Enfim, a conclusão básica é de que o relacionamento entre a ação e os objetivos de um projeto é alicerçado no conhecimento técnico que envolve os temas do projeto. Como o sucesso do projeto é medido pelo grau em que os objetivos são atingidos, deduzimos que o sucesso do projeto guarda uma decisiva relação com o conjunto de conhecimentos técnicos da equipe envolvida na formulação e execução do projeto.

Realmente parece não haver novidade nessa conclusão, mas a prática tem mostrado que a realidade é outra em muitos casos.