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quinta-feira, 7 de abril de 2011

O fim do incentivo fiscal?

"Há uma tendência de que os incentivos diminuam com o tempo, embora essa tendência seja acompanhada por uma outra relativa a um maior investimento privado mesmo sem incentivos fiscais."

Coloquei essa afirmação num texto durante uma discussão numa comunidade sobre Lei Rouanet. Fui questionado sobre o por que penso isso. Quero primeiramente agradecer a quem perguntou por me dar a oportunidade de colocar temas que julgo importantíssimos. Mesmo que minhas colocações possam nãoo ser compartilhadas, o fato de colocar os temas a seguir a baila numa discussão relacionada a projetos culturais já vale a pena. Então vamos lá...

Não devemos esquecer que os incentivos fiscais são atalhos propostos pelo Estado para incentivar e agilizar (desburocratizar) o investimento em áreas que necessitam de oportunidades de desenvolvimento. Assim são a cultura, o esporte e as crianças, por exemplo. O investimento feito apenas pelo Estado, além de burocrático, pode não alcançar a diversidade de realidades existentes nessas áreas em nosso país.

Não podemos deixar de destacar eventuais avanços feitos nos últimos governos no sentido de minimizar os entraves burocráticos para estes investimentos e também para oficializar programas ou ações nestes campos da sociedade. Pode ser um sinal de evolução.

Mas devemos constatar que incentivos fiscais não constituem, em última análise, investimentos privados. Portanto, do ponto de vista financeiro não podem ser reputados como ações de responsabilidade social de empresas (embora os conteúdos dos projetos possam ter caráter realmente de proteção da sociedade e/ou direitos de cidadãos).

Isso nos leva a pensar paralelamente na questão da responsabilidade social. Nem chego a discriminar aqui a “responsabilidade social empresarial” como é muitas vezes referida. Não o faço porque responsabilidade social não é uma obrigação de empresas apenas, mas de todo e qualquer cidadão e instituição.

A responsabilidade social não é uma invenção dos últimos anos. Todos nós sempre fomos, desde o início dos tempos, responsáveis pela sociedade. Afinal tudo o que ocorreu a ela aconteceu por decisão ou ação de alguém e, as vezes, por “não ação” de alguém ou de todos. Enfim, nos responsabilizarmos pelo que ocorre na nossa sociedade é uma obrigação natural de cidadãos e organizações uma vez que são os causadores de tudo.

Será que estou querendo dizer que devemos assumir a responsabilidade pelas mazelas sócio-culturais da atualidade e a obrigação de saná-las? De certa forma sim.

E o Estado, não tem essa obrigação? A esta pergunta eu sempre respondo com outra: a obrigação dele vem antes ou depois da sua (cidadão ou organização)? É óbvio que o Estado tem obrigações quanto a essas questões, mas pra pensar na dele precisamos antes pensar na nossa. Cobrar do Estado não é nosso direito, é nosso dever. Fazer a nossa parte é nossa obrigação e condição prévia para poder cobrar a parte dos outros. Ser socialmente responsável não é um título (como vem sendo tratada), é um fardo natural (e que, portanto, não deve pesar) que devemos carregar pela nossa condição de ser social.

Aqui, então, volto à afirmação do início. Os projetos que desenvolvemos com incentivo fiscal deveriam ser desenvolvidos independentemente dele. Atingir um estágio minimamente satisfatório de desenvolvimento em termos de responsabilidade social significa, entre outras coisas, que não é necessário que o Estado crie artifícios para facilitar as coisas no sentido de cumprir com nossas obrigações de sermos responsáveis pelo que é a nossa sociedade.

O Estado deve buscar regular o funcionamento da sociedade de modo a nos dar oportunidades de honrar com esta nossa responsabilidade. Isso não significa dar “desconto no imposto”, mas cobrar o imposto que não nos impeça de fazer mais do que fazemos hoje. Aliás, a cobrança para que nos dediquemos (cidadãos e empresas) à construção de uma sociedade igualitária e livre não deve ser do Estado, mas da própria sociedade.

Enfim, se consideramos que é possível atingir um estágio de responsabilidade social disseminada em tudo e todos, devemos crer que incentivos fiscais tornam-se desnecessários. Aliás, devemos trocar o mecanismo. No lugar de “incentivo fiscal” devemos assumir internamente um “incentivo moral” de pensarmo-nos enquanto partes componentes do sistema social e, portanto mutuamente responsáveis pelo todo (sociedade) que constituímos.